Roubei-te as palavras... Ana Fonseca da Luz




Era apenas um punhado de palavras…
Estavam misturadas, ao acaso e eu não lhes encontrava sentido.
Era como se tivessem sido espalhadas pelo vento, ou apenas sopradas por ti num dia qualquer, ou numa noite mágica.
Tentei ordená-las mas a desordem era tanta, que se fez caos na ordem dos sentidos, nas cores, e no aroma de violetas que me ornamentava os cabelos.
Espalhei as palavras, ao acaso, numa página em branco.
Separei as vogais das consoantes, as maiúsculas das minúsculas e à margem, deixei os pontos de exclamação, de que tanto gosto, as virgulas, que me descansam entre uma palavra e outra, os pontos finais que me mostram o fim ora da dor, ora da alegria e as malditas das reticências que deixam sempre tanto por dizer.
Tinha ainda um travessão sozinho, e um ponto de interrogação que me parecia ainda mais cheio de dúvidas do que eu.
Na folha, outrora imaculada, as palavras em desalinho enfeitavam a página e os meus olhos, já cansados, procuravam um sentido, uma ordem, uma resposta…
Afinal as palavras não explicam nada se não estiverem ordenadas.
Fiquei com pena da página em branco e das letras pretas que lá se encontravam à deriva, à procura de uma ordem que eu não lhe conseguia dar.
Pensei desistir, deixá-las assim naquele navegar errante, naquela angústia anunciada do desconhecido que me fascinava e me assustava, naquele mar outrora banco e agora ondulado de letras e sinais.
Mas, não podia…
Todas as palavras têm a sua razão de ser.
Todas as palavras têm um significado.
É por isso que as amo.
Escritas,
faladas,
adivinhadas,
partilhadas,
sussurradas,
mudas,
quedas,
brancas ou azuis…
Desisti de desistir.
Não é essa a minha natureza!
Concentrei-me naquele emaranhado de letras que formavam palavras e deixei-me levar pelo que me segredava o coração.
Comecei finalmente a ordenar as palavras, uma a uma…
Utilizei as altivas maiúsculas, no princípio das frases, depois as minúsculas, mais submissas, mas nem por isso menos importantes.
Recorri às vírgulas para descansar as palavras já cansadas e terminei com o ponto final.
Sempre que alguma palavra me espantava, presenteava-a com um ponto de exclamação.
Deitei fora o ponto de interrogação porque já sabia a resposta.
E como ficou tanto por dizer, terminei com as malditas das reticências que me perseguirão para sempre…
Depois, satisfeita, olhei o texto que me engalanava a página outrora em branco e sorri feliz.
Não vou dizer o que me diziam as palavras, porque não eram palavras minhas.
Eram apenas as palavras que te roubei…

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