CONFISSÃO... Ana Fonseca da Luz










Talvez agora já te consiga contar tudo. Tomei um banho quente, quase a escaldar, como gosto, e parece que já me sinto melhor. Não sei se, algum dia, conseguirei contar-te tudo. Mas querer começar já é alguma coisa. Não achas que tenho razão? Não achas que já é um começo?
Senta-te. Não me perguntes nada. Não me interrompas, mesmo que não compreendas, mesmo que o que te vou dizer te choque, mesmo que sintas vontade de sair e bater a porta. Mesmo assim, peço-te, ouve-me até ao fim. Depois, então, se achares que deves ir embora e não voltares mais, vai. Mas primeiro, deixa-me abrir-te o meu coração. Vou pôr toda a minha alma, toda a minha essência nas tuas mãos. Não o faria a mais ninguém. Mas tu és diferente. Tu és a pessoa de quem mais gosto. Aliás, tu és a única pessoa de quem eu realmente gosto. Não, não estou a exagerar, é a pura verdade. A quem é que eu recorria, quando mais ninguém me aceitava e quem era a única pessoa que me ouvia, sem me fazer críticas destrutivas? Quem é que me ouvia, em silêncio, com os olhos rasos de água? E não falava, só ouvia! Às vezes tinha a impressão de que, quando choravas, ao ouvir-me, era por ti que choravas e não por mim. Sabes que isso me acontece muitas vezes?! As pessoas é que não sabem e pensam que choro por elas, porque lhes morreu um familiar, ou porque têm alguém doente! Não. Choro é por mim. Sou demasiado egoísta para chorar pelos outros. Não faças esse ar de surpresa! Sabes bem que é verdade. Mas tu não. Tenho a certeza de que choravas era por mim. Tal como agora, é por mim que choras. É por mim que o teu nariz pinga e o limpas apressada, para que os demais não vejam.
Como és bonita! Como te invejei toda a vida! Como tinha vontade de ser como tu! Certinha, simpática para toda a gente e toda a gente a gostar de ti… A mim, se me conhecessem realmente, ninguém me falaria, ninguém sequer se preocuparia em me cumprimentar, porque eu sou assim rebelde, indomável, valente! Tu, tu és essa coisa amorfa e sem interesse, mas que toda a gente adora! Não vales nada, rapariga! De que te serve seres boazinha e simpática? Acaso és feliz? Não és, que eu sei. Conheço-te como a palma da minha mão. Sei tudo de ti. Tudo! Não vales nada! Confessa que morres de inveja de mim! Confessa que gostavas de ser como eu, um espírito revolto, inconformado, insatisfeito, mas que sabe que há-de dar a volta por cima! Há-de mostrar ao mundo quem manda! Já estás a chorar outra vez. É por mim, ou por ti? É pelas duas. Está bem, acredito.
Mas afinal, que confissão minha queres tu ouvir hoje? Que me tentei suicidar novamente? Que falhei, mais uma vez? Que, um dia destes, acerto? Não é novidade para ti. Sabes que sou dada a estes rompantes. Tão depressa estou na maior das alegrias, como logo estou de rastos e chego à conclusão de que não ando cá a fazer nada. Não chores! Deixa-me limpar-te essas lágrimas que, afinal, são tão tuas quanto minhas. Desta vez, estive quase. Cheguei mesmo a ver a tal luz ao fundo do túnel, de que tanto falam! Cheguei mesmo a ver o meu anjo da guarda! Só que a tua mão, mais uma vez sensata, puxou-me novamente para este mundo. Por que raio teimas tu em ter-me aqui, ao pé de ti? Parece que não sabes viver sem mim. Quem não souber o quanto somos diferentes, há-de dizer que somos a mesma pessoa! Seremos?
Estou exausta e tu também, consigo perceber muito bem. Como gostava de não te magoar! Como gostava que pudéssemos coexistir as duas, dentro desta embalagem que Deus nos deu, sem estarmos em eterno conflito! Confesso, gosto de ti e, se te faço mal, se te faço chorar quando faço estes disparates, é porque quero que, um dia, sejas feliz, que deixes cair essa tua capa de boa rapariga e mostres a mulher que há aí
Confesso! Ainda havemos de ser felizes!

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