LUCIDEZ... Ana Fonseca da Luz


Não há coisa mais angustiante para mim, do que estar em frente a uma página em branco, cheia de palavras que não param de esvoaçar lá dentro, bem fundo na minha imaginação, no meu coração, na parte mais profunda da minha alma e não conseguir passá-las para o papel. É como se só reinasse o caos à minha volta, como se me entregasse ao desconhecido, ao abandono, sem rei nem roque, à mercê da minha incompetência momentânea ou, simplesmente, à mercê de uma lucidez que me incomoda, porque me acorda daquele estado de graça, ao qual chamo felicidade fugaz.

É por causa dessa lucidez, que hoje não me abandona, que resolvi escrever ao ritmo do bater do coração. Por cada batida uma palavra e outra e outra…

Depois reparo que uma vida não chega para escrever tudo o que preciso, tudo o que quero. Busco a perfeição em cada palavra, como se a perfeição fosse possível de alcançar e apago a estrada que ficou para trás marejada de descontentamentos, e desencontros. Percorro o caminho, cheia de vontade de voltar para trás sempre que a lucidez me abandona, mas eis que ela me abana e se instala de novo no meu presente. Aí, perco toda a coragem e retomo a minha rota, sem ter coragem para olhar o caminho percorrido. Limito-me a fazer o trajecto que outros já fizeram e a pisar as pagadas que outros, tão lúcidos como eu, agora, deixaram naquela estrada.

Nada faz sentido quando não há lucidez mas é desse desassossego que gosto, dessa coisa indesejada por ti mas que a mim me faz falta. Percebes?

Volto ao meu papel, à minha personagem preferida, quando as palavras não se explicam com clareza, não me abandonam e me saciam. Volto finalmente para o meu “eu” mais profundo, como se a vida tomasse um novo rumo, como se finalmente a flor se tornasse fruto e o fruto de vestisse de cores para me enfeitar a vida.

Não gosto da lucidez. Gosto de não saber que caminho seguir e inventar. Não gosto de pisar as pagadas que outros já deixaram, como se as tivessem deixado ali só para mim. Fazem-me falta a pureza das coisas, os gestos suaves, as brisas mornas dos fins de tarde, que só esse estado inebriante da falta de lucidez me proporciona.

Olho para trás à procura de um paraíso que não encontro cá fora, porque ele está dentro de mim e eu, nem me tinha apercebido. Foi preciso que me dissesses, para que eu percebesse que está tudo dentro de nós, o bem, o mal e até o desconhecido que nos atraí, que nos provoca e que nos mostra que se quisermos, o difícil se torna fácil. Basta apenas abrir o peito, a alma ou o que mais de íntimo há em nós, para que alcancemos o caminho, sem ter de pisar o chão que outros já pisaram, sem termos de ser outros para sermos nós.

Nada parece fazer sentido e, no entanto, tudo faz sentido. Basta ler as palavras que escrevo, ao ritmo do coração, com o próprio coração.

Talvez esta vida não chegue para que eu escreva tudo o que quero e preciso. Talvez quem me leia não me entenda. Mas não importa. Basta que eu entenda. E agora?

Dois caminhos…

Os passos dos outros, certos, ordeiros, sem choros, lúcidos, transparentes como águas correntes, ou o caminho que descobrimos todos os dias e todos os dias nos parece diferente, porque hoje há uma flor que ontem não estava lá?

Não gosto da lucidez das coisas, encanta-me o entorpecer dos sentidos e a leveza que me envolve em segredo e silenciosamente mas, tenho de reconhecer, porque alguém mo disse, que é bom que haja dois caminhos a seguir e que tudo depende de uma simples escolha. São apenas dois caminhos…

O da lucidez adquirida e por vezes imposta pelos outros e a lucidez conquistada todos os dias à custa de pequenas descobertas, que se tornam grandiosas quando partilhadas com quem nos entende.

Escrevo ao ritmo do coração, se bem que às vezes não me sobre nenhum espaço para a razão…

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