O som da minha alma... Ana Fonseca da Luz











Todo o dia me fartei de pensar, para descobrir qual é o som da minha alma.
Cheguei bem mais tarde à conclusão, e depois de muito pensar e reflectir, que a minha alma tem várias nuances e que, por isso, e dependendo das circunstâncias e das pessoas que me rodeiam, constantemente muda de som e de cor.
Resumindo, não posso confiar muito nela, porque, verdade seja dita, a malvada da minha alma não é muito fiel…
Vejamos. Não diria que ela é infiel, diria antes que é uma alma muito inconstante, aliás como a dona! Tem alturas em que me sussurra ao ouvido belas melodias. Outras em que se se parece com um pranto. E outras ainda, e essas alturas são as mais complicadas, em que simplesmente fica sem som. Bem carrego no botão para lhe aumentar o volume, mas nada.
É nesses momentos que me sinto perdida, quando nenhum som me sai da alma.
Nesses dias, ando apagadita, calada, como se o mundo me devesse alguma coisa ou eu, alguma coisa ao mundo.
Hoje, fiz a experiência. Acordei sem som. Inutilmente carreguei em todos os botões da minha alma. Nada. Estava realmente muda. Pensei, “bem, se não tenho som, talvez reste alguma cor à minha alma…”
Quase morri de susto. Estava pálida, deslavada, sem qualquer graça.
Chocalhei-a, agitei-a, nada!
Disse cá para mim, “querem ver que morri e ninguém me avisou!…”
Como não sou de me ficar por isso mesmo, pensei que, depois de um bom pequeno-almoço, a alma me ganhasse algum alento ou, por outras palavras, som e cor.
Em vão comi. Nem um sinalzinho da alma que geralmente me acompanha.
Agora, falando a sério, tenho ou não razão em estar preocupada?
Se uma pessoa acorda de manhã e descobre que a sua alma se esvaiu durante o sono, é porque alguma coisa não está bem.
Tento recordar os sonhos que tive, como se estivesse diante duma tela…
Piorei ainda mais o meu estado de espírito. Olho e deparo-me com uma tela a preto e branco e sem som. De repente, estou num filme a preto e branco. Querem ver que ando enrolada com o Charlot e só agora é que me apercebi… Impossível. Eu nem gosto de homens de bigode!
Afasto aquela cena deprimente da ideia e volto para esta realidade. Esta minha alma prega-me cada susto! Bolas!!
Volto a debruçar-me sobre o assunto, temendo que a minha tão preciosa alma me tivesse abandonado de vez. Se assim fosse, também não seria muito de admirar. Qual é a alma que se sujeita a tamanhas mudanças de humor?
Uma coisa posso garantir: ainda ontem a ouvi e gostei muito do seu som…
Como estava realmente preocupada com aquele mutismo todo, pensei em levar-me a mim e à alma, claro está, até junto de uma pessoa mais velha, em quem descobri há muito pouco tempo uma boa amiga, para que me tentasse ajudar a perceber o que se passava comigo.
Tomei-lhe então os conselhos.
- Tem de estar atenta, – disse-me ela – eu realmente não lhe consigo ouvir o som! Mas volte para casa e experimente ouvir com o coração. É que, geralmente, o coração nunca nos trai.
- Não? – perguntei, incrédula. – Tem mesmo a certeza de que o coração não nos trai?
- Acredite em mim, escute o que ele lhe diz. – repetiu-me.
Confesso que não saí de lá muito convencida. Contudo, não perdia nada em tentar.
Mas, a verdade é que continuava a achar que tudo se tinha passado durante o sono. Era aí que permanecia todo o mistério.
Já em casa, no meu canto preferido, fechei os olhos, para ver se via e afastei todos os sons do meu quotidiano, para tentar ouvir.
Devo ter adormecido por alguns minutos e feito, embora inconscientemente, o que a minha boa amiga me tinha aconselhado: ouvir com o coração.
Acordei com o som no máximo.
Mas eram tantos os sons…
Tantas as nuances…
Tantos os sentidos…
Tantos eus!!
Assim, e depois daquele sono breve e reparador, descobri os muitos sons da minha alma.
Agora, só me faltava pôr cada um a tocar na sua frequência. Assim fiz. Em cada botãozinho, seleccionei um som. Assim, sempre que acordasse de alma muda, era só carregar no botão certo, para que toda a minha alma se acendesse.
Então, foi esta a ordem que dei aos variadíssimos sons da minha alma:
Mozart, para quando estou nas últimas. (Leia-se, com a neura.)
Il Divo, para quando preciso de chorar por mim. (Leia-se, triste.)
Nights in White Satin, quando voo acompanhada. (Leia-se,… ninguém tem nada com isso, só me diz respeito a mim.)
Please, don`t make me cry, quando parto para a Jamaica. (Leia-se, ”A Jamaica é onde um homem quiser.” Neste caso, onde eu quiser…)
Samba Pa Ti, quando estou apaixonada. (No comment.)
Gosto de ti até à lua, quando estou com a Pipa. (Leia-se, o meu mais perfeito amor.)
Deep Purple, quando enlouqueço. (Leia-se, amiúde.)
I Put a Spell on you, quando entrelaço palavras que amo. (Leia-se,…sem leitura possível.)
Angie, quando tenho 15 anos. (Leia-se, ainda ontem…)
Sosseguei, finalmente. Mas esta minha alma, será que alguma vez terá sossego?
Já tem som. Quanto ao sossego, parece-me uma missão impossível…

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