SER FELIZ... Ana Fonseca da Luz










Sou feliz?
Palavras para quê, quando as velhas lembranças nos lavram os pensamentos, quando os silêncios imponentes, e no entanto tão despojados de importância, nos amordaçam o grito que nos vai na alma?
Abre-se-me o peito, por não poder dizer o que quero.
E sou feliz?
Sou apenas dona dos meus pensamentos, das minhas lembranças, tudo o resto não me pertence.
Pertence ao Mundo.
A Deus?
A mim, nada…
Não sou feliz….
Deito-me sobre esta minha existência, leve, pensativa.
Parece-me pouco o tempo deste mistério a que chamo vida. Parece-me pouca a vida…
E no entanto impiedosa e certeira, essa vida que desconheço, esse mistério, como gosto de lhe chamar, apresenta-se inacabada, sempre inacabada, como um poema que não sabemos terminar, porque as palavras certas não aparecem, nos parecem não fazer sentido, nos parecem fora do contexto.
Feliz, eu?
Foi por isso que hoje resolvi escrever este poema, em prosa, que não sei como vai acabar. Sei apenas que vai acabar, que tem de acabar, porque tudo acaba.
Não sei o que é mais bonito, se o começo, se o fim…
Não sei se prefiro o nascer do sol, com os seus tons quentes e gloriosos, se as cores inacabadas e que não têm nome, por serem sempre diferentes, que o pôr-do-sol nos oferece.
O nascer do sol deixa-me feliz…
E o pôr-do-sol…
Sei apenas que há dias em que gosto dos “entretantos” com que a vida me presenteia.
Gosto de esperar para sempre, mesmo sabendo que o dia certo pode nunca chegar. Gosto da expectativa dos momentos inacabados, de coisas que nunca vejo e que, no entanto, me são tão preciosas.
Ai, como sou feliz!…
Sou?
Ao fim e ao cabo, tudo se resume a uma coisa: ser feliz.
Ser feliz não tem dia nem hora. Ser feliz é agora!
Não é gargalhar, por tudo e por nada, mas sorrir, porque sim.
É tropeçar nos sonhos e torná-los realidade.
Abraçar quem se ama e dizer “amo-te”, olhos nos olhos.
Tocar ao de leve a mão e o toque sacudir-nos o coração.
Não há receita para se ser feliz, nem mezinhas ou orações, há apenas intuições.
Gosto de ser feliz com pequenas coisas que se tornam grandiosas, que se agigantam e que, afinal, mal me cabem na palma da mão.
Sou feliz quando oiço sim e feliz quando oiço não.
Sou feliz quando rio e até quando choro de emoção.
Felicidade não se compra nas grandes lojas, nem se manda vir de países estrangeiros.
A felicidade é um momento passageiro, que nos marca para sempre e que conseguimos guardar num canto da nossa alma para usufruirmos quando já tudo nos parece inútil. E, há dias assim. Há dias em que, se não recorrêssemos a esses breves instantes a que chamamos felicidade, nada faria sentido.
E depois, nem conseguiríamos ser felizes a tempo inteiro, porque, se o fôssemos, não daríamos o devido valor à felicidade de ser feliz.
Para se ser feliz, realmente feliz, tem de se saber o que é ser infeliz.
Mas realmente a vida, esse mistério insondável que nos carrega e que nós carregamos todos os dias, sabe o que faz. Dá-nos momentos de dor, para que depois possamos dar valor aos tais instantes a que chamamos felicidade.
Passageira essa palavra. Felicidade…
Sou feliz?
Sou feliz quando rio com o coração.
Quando as lágrimas são doces e não salgadas.
Quando canto baixinho uma canção velhinha que só eu oiço.
Quando a saudade me canta ao ouvido.
Quando tenho de sufocar uma gargalhada que não pode ser partilhada.
Quando a vida me pisca o olho e eu finjo que não percebo.
Sou feliz quando dizem o meu nome com carinho.
Quando trinco a vida e sorrio…
Sou feliz?

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