CAOS ORGANIZADO




Sento-me desajeitadamente no chão, de pernas cruzadas. É assim que gosto de estar!
Acendo a velita de cheiro a baunilha e café, que por sinal está quase no fim, e procuro entre os muitos CDs, um que me apeteça mesmo, mesmo ouvir.
Inquieta-me o facto de hoje não saber realmente qual o som de que preciso, para me sentir mais preenchida.
Percorro com o dedo a carreirinha de CDs ordenada meticulosamente por ordem alfabética e chego à conclusão de que tanta ordem me desordena os pensamentos.
Um pouco de caos nunca fez mal a ninguém e, além disso, se as coisas não estiverem ordenadas, acabarmos por encontrar uma música que não ouvíamos há muito, simplesmente porque não sabíamos onde estava.
E aí, deparamo-nos com uma agradável surpresa, encontrar o que há muito tempo tínhamos cessado de procurar, e ouvir aquele som, com uma alegria redobrada…Não sei se me faço entender!
Mas adiante…
O computador, esse tão precioso companheiro, anuncia-me, com um som simpático, que alguém me quer contactar pelo Messenger.
Largo os CDs (a vela quase no fim, será que tenho outra na gaveta?) e espreito para ver quem me quer contactar.
Regresso aos CDs. Ninguém que me interesse.
Volto ao ponto onde tinha parado o meu dedo e continuo a minha busca musical. Subitamente, e quase sem me aperceber, estou a rir sem causa aparente. Demência, diria quem me não conhece. Felicidade, diriam outros!
Quase desespero. Não sei o que procuro, sei apenas que procuro qualquer coisa.
Já não tenho idade para estar tanto tempo de pernas cruzadas. Ou tenho?
Tenho, porque me levanto sem esforço, para correr ao telefone, que também chama Não há sossego. Como raio vou eu encontrar aquilo que realmente procuro, se não me deixam em paz?
Olho, sem tocar no telemóvel, não o vá eu atender sem querer.
Não, não atendo. Amanhã digo que já estava a dormir, que não ouvi. Uma mentirita destas não faz mal a ninguém, Além disso, estou com pouca paciência para longas conversas.
Regresso ao meu ponto de partida. Mas que raio de música me apetece ouvir?
Balanço o meu olhar entre dois pontos de interesse. Finalmente!
Que indecisa estou hoje, nem me reconheço!
Sorrio para o Zé Cid, de peruca e risonho e que ainda por cima é da minha terra, e pisco o olho aos Santana, de quem sou fã.
Esta indecisão toda quase me mata.
Mas pronto, duas boas opções.
Vamos primeiro ao Zé Cid.
Entretanto, reparo que a malvada da vela acabou. Que pena, cheirava tão bem!
Vou até à gaveta, onde reina um perfeito caos que só eu entendo. É por isso que aquela gaveta é só minha. É lá que guardo tudo o que não quero perder. Ali sei onde está tudo.
O papel das malditas finanças para pagar até ao dia 15, rascunhos com temas sobre os quais quero escrever, um frasco de perfume “Mania de Armani”,vazio (mas o que é que isto anda aqui a fazer?), os meus diários e as benditas das velas aromáticas, entre outras coisas que nem me atrevo a citar. Bem, entre as coisas que não me atrevo a citar, encontro o princípio de um poema (poema, se algum poeta me ouvisse…) que comecei a escrever, depois de um amigo de há muitos anos ter começado hoje a falar comigo no Messenger, dizendo assim “…ai esta maldita saudade…”
Foi automático o processo de rima, o que prova que nem tudo está caótico…

“A Saudade mora em nós.
Mora em nós e não perdoa.
Está-nos entranhada na pele,
E é como pena que voa.”

Sniff. Apetece-me quase chorar. Mas não tenho tempo agora. Choro mais tarde.
Volto ao que me levou ali, a bendita da vela.
Baunilha e café já não há…
Vejamos, temos chocolate. Amo…
Acendo a vela e retomo o percurso interrompido pela falta da mesma.
Hoje, sinto-me um bocadinho irónica. Ainda não percebi se gosto de mim assim.
Volto a rir de nada e recordo o anúncio da televisão ao leite Matinal: “Se eu não gostar de mim, quem gostará?”
Tenho de falar com o Dr. Vítor, preciso de tomar qualquer coisa para a memória. Começo a esquecer as coisas que me fazem bem, ora, se me fazem bem, convém não esquecer!
Já cá estou. O Zé Cid aguarda-me impaciente. Retomo a minha posição, qual flor de lótus e apuro o ouvido.
É, continua a cantar bem. Viajo até à beira do Tejo, para admirar mais um pôr-do-sol, enquanto ele canta “Na cabana, junto à praia…” etc e tal !
O Messenger volta a dar sinal. É a minha querida Maria. Para essa estou sempre.
Entre muitos disparates, dizemos sempre coisas muito sérias. Rimos, choramos, enfim! Se a palavra existisse diria que “amizamos”, realmente.
Depois chega o Manel, e o Zé e aí, o caos é completo, ninguém sabe quem disse o quê.
- Quem é que deixou o marido? – pergunta um.
- Ele vai para onde? – pergunta outro.
- Não me digas…
A isto chama-se cusquice pura e cristalina…
Perco-me completamente no meio daquele emaranhado de conversas sem nexo.
- E os nossos fins de tarde à beira do Tejo! – lembra um.
- E as festas ao domingo em casa de fulano e beltrano! – remata outro.
E, quando damos por isso, estamos todos de regresso aos nossos gloriosos anos 70.
Deixo-os em amena cavaqueira, porque já ninguém se entende, e corro para os braços do Zé Cid que já deixou a “Cabana junto à praia” para me atacar com o seu “Coração de Papelão”, que eu amo de paixão!
Saciada de música portuguesa e do meu conterrâneo, recorro finalmente a um dos meus ídolos de adolescente, Carlos Santana.
Enquanto ele afina a guitarra, para lhe tirar sons de deixar qualquer pessoa sensível de rastos (eu acho que até as pedras de calçada se arrepiam), eu volto para o meu chão, de pernas cruzadas.
O cheirinho do chocolate já me fez esquecer a baunilha com café e os Santanas deliciam-me com o Samba a Ti.
O meu computador volta a dar sinal de vida. Estico o braço, preguiçosa, para ver quem me chama, quem me tira daquele transe quase insuportável.
Leio apenas:
- Hello !
Respondo:
- Oi.
E todo o meu caos se organiza.

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